Aparando arestas

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Adélia Prado disse

Com licença poética

"Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
– dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou."


inspiração ou cosolo aos homens e mulheres (na ausência de termo mais adequado) cagados de arara.

Mário Quintana sabia... ele sabia das coisas da vida

Os Degraus
(Mário Quintana)
Não desças os degraus dos sonhos
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás de suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco esse nosso mundo…


Quem Sabe um Dia
(Mário Quintana)

Quem Sabe um Dia
Quem sabe um dia
Quem sabe um seremos
Quem sabe um viveremos
Quem sabe um morreremos!

Quem é que
Quem é macho
Quem é fêmea
Quem é humano, apenas!

Sabe amar
Sabe de mim e de si
Sabe de nós
Sabe ser um!

Um dia
Um mês
Um ano
Um(a) vida!

Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois
Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois

Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois

Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois

Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois

Jardim da Barbarela







Flores de tecido.

domingo, 19 de abril de 2009

prantação



quando ela ficava triste,
corria até a horta do vizinho
e se sentava entre as verduras.
completamente entregue, chorava até se cansar...
de suas lágrimas nasciam belíssimas cebolas:
roxas e brancas.

maravilhado com a qualidade de suas Allium cepa,
cruas, cozidas, assadas ou empanadas, ele as devorava.
as roxas e as brancas.
sem saber, sorvia também a alma
de alguém que sequer conhecia.

guardanapo

sexta-feira, 17 de abril de 2009

singing in the rain

Dona Trinta é uma sujeita intempestiva.
Muda a lua, a maré, os humores e lá vai ela...
Cuidado!?
É que ela quebra, é que... bate e morde e enlouquece?!

Desculpe o devaneio, mas é que são tantas as maroquisses dessa aí, que até perco o fio da meada.

Dia desses estava andando na rua e foi surpreendida por uma tormenta tropical.
Parou por uns minutos sob a marquise de um prédio, esperou um pouco e resolveu seguir assim mesmo.
Estava sem sombrinha e a chuva era grossa.
Atravessou o quarteirão. Pensou em pegar um ônibus, parou no ponto e notou que já estava encharcada.
Decidiu voltar pra casa a pé e fez um trajeto diferente.
Cortou caminho por uma rua pela qual evita transitar.
Fagundes Varella é a rua do crime e Dona Trinta não é ré primária.
De volta à cena, ali naquela rua, estava prestes a dar seu quarto passo infalso e não fazia a menor idéia.
Já estava inteira molhada quando chegou no topo da ladeira.
A bolsa de algodão não deu conta de proteger os papéis que carregava, mesmo estando sob sua camiseta.
Apesar disso, ela caminhava rápido, animada com as recordações, com a paisagem e até com a chuva.
Imersa naquela cascata de água e pensamentos, quase não percebeu a moto que estacionou quase ao seu lado.
O motoboy parou para lhe oferecer uma carona?!
Num primeiro momento, teve um choque e pensou que “meu deus! realmente essa rua tem um quê de pecado”. “será que minha batata já assou?”
Lembrou-se de outro passo infalso. Uma antiga história sob duas rodas que inspirou o segundo momento.
Olhou pra cima e viu que apesar da chuva, havia um solzinho tímido querendo sair.
Logo depois, já estava na garupa do motoqueiro.
Na boca, um gosto de medo e aventura.
Na ponta da língua, as mentiras precisas que respondiam as suas milhões de perguntas.
Foi guiando o caminho e quando pararam no sinal da esquina de sua casa, desceu da moto tão rápido que nem deu tempo dele dizer que aquele era o lado errado.
Agradeceu e foi saindo.
Ele pediu um beijo.
Ela teria concedido, queria ter concedido, mas...
Não deu. Não era atraente. Não teve quelque chose.
Sorrindo, olhou pro motoboy sem nome e disse:
“desculpa mas, hoje não.”
O moço não ficou bravo. Ele riu.
Feliz da vida por “ter sido cúmplice dessa louca”.
O sinal abriu quando já estava quase no portão e apesar das buzinas, não olhou pra trás.
Entrou no prédio, entrou em casa, tomou um banho quente e foi almoçar com a irmã.

singing in the rain com dona trinta

terça-feira, 7 de abril de 2009

De quando descobriu o rádio e se apaixonou por uma voz

Era uma noite de segunda-feira e estava em casa.
Concentrada à escrivaninha, organizava sua agenda e pensava em tudo o que tinha para fazer durante a semana.
O rádio ligado baixinho já se tornara som ambiente...
Foi precisamente às 23hs que despertou.
Começava um programa que prometia boa música dos quatro cantos do mundo.
Depois da vinheta, um "oui, oui..." e o resto ela perdeu.
Parou no ponto em que seu corpo estremeceu e suas mãos buscaram pele.
Involuntariamente, sentiu o repuxar dos músculos do rosto e
seus lábios se abriram num sorriso institivo.
Quem é esse homem?
Que voz...
Que sotaque é esse?
De onde vem?
Acho que me lembra alguém...
Serão também ombros fartos e mãos grandes?!

Como num quebra cabeças de infinitos fatoriais,
deixou o pensamento solto à procura de rostos e corpos que lhe servissem.
Embalada pelas músicas que pareciam tocadas em sua homenagem,
olhava na direção do rádio como se ele fosse capaz de lhe dizer algo mais...
Fechou os olhos por 3 segundos e acreditou:
mesmo sem saber quem é você, nem de onde vem,
sei que um dia repousarei minha cabeça em
teus ombros - largos ou não- e
ei de tornar a ouvir essa voz sussurrada em meus ouvidos.
Só você e eu em um dos quatro cantos do mundo.