Aparando arestas

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Buba


Buba usando um acessorio da Barbarela.

na relva da selva

Minha irmã e eu, no nosso tempo de infância, brincávamos no chão de barro e ralávamos a bunda e as costas escorregando nos barrancos do quintal. Nossos corpos cheiravam a seiva de árvore antiga, suor de criança e alfazema. Eu tinha medo do escuro e de saci pererê.
Na nossa casa não havia luz elétrica, nem bomba d'água e a televisão vermelha de bateria não pegava porque não havia antena no meio do mato.
Mamãe cozinhava o feijão num fogão a lenha e lavava as louças no poço. A gente não ajudava, mas fazia companhia e ela ria que ria de nossas macaquices.
Quando chovia, nadávamos em poças d'água e pisávamos descalças no chão inundado só pra sentir aquela lama vermelha transbordar por entre os dedos do pé.
À noite nós jogávamos dominó e ouvíamos histórias. Algumas vezes eles contavam, em outras, punham os vinis a tocar.
Nos dias quentes éramos mais felizes. Papai fazia churrasco e bebia cerveja de garrafa; mamãe ligava o rádio, abria uma coca-cola e fumava minister. No gramado recém plantado, nós quatro dançávamos e ríamos e nos refrescávamos com banhos de mangueira.
Nessa época, ninguém tinha telefone em casa. No centrinho da cidade havia um posto telefônico na padaria e era através dele que recebíamos notícias do mundo lá fora. Nosso carro era velho, enguiçava o tempo inteiro e descíamos para empurrar. A gente gostava de andar de onibus porque de alguma forma isso nos tornava importantes.
Nas manhãs de domingo, íamos à pracinha com nosso pai. Na única banca de jornal que havia, comprava seu jornal e nos deixava pegar um gibi – cada uma escolhia o seu. Às vezes voltávamos direto pra casa, loucas pra ler nossas revisitinhas, lado a lado, cada uma na sua cama. Em alguns dias, a mamãe também ia e então passávamos mais tempo e eles nos levavam ao parquinho.
Eu sou do tempo em que as pessoas deixavam as portas destrancadas, em que um corte de tecido era um bom presente, em que as meninas colecionavam papel de carta, que os documentos eram escritos à maquina de escrever, que fax era artigo ultra-moderno, que as mercearias tinham o caderninho de fiado e todo mundo pagava.
Clonagem e chamadas por video fone eram ficção científica e antena parabólica era o crème de la crème das transmissões televisionadas.
Engraçado como parece que falo de um tempo tão distante, quase ouço a minha avó contando as narrativas dela...
Um dia eu acordei e levei um susto: eu era adulta, morava em outro lugar e conversava com meu pai pelo messenger. Ele usando um blackberry...
é bom ver que as coisas mudam mas... às vezes sinto falta de ter medo do escuro, do camundá e do saci pererê porque hoje os monstros me parecem mais terríveis.